betesda


Março 30, 2009, 4:58 pm
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Tomou um lexotan e enfiou-se na cama. Evitava a todo custo magoar-se. As mágoas estão nos pequenos gestos e descobertas que se fazem sem querer. Inadvertidamente escutou uma conversa menos própria. E escondeu-se. No seu refúgio de sempre. Uma cama que assistira à passagem de várias vidas. Todas dele. Todas vidas num desfile de outras pequenas mágoas. Não sabia o que era sofrer. Isso evita-se! Escondemo-nos e seguimos como sempre e como nunca.



fuso horário
Abril 27, 2007, 11:53 pm
Filed under: ficção

Sabes o que me apetecia?
Ir para um fuso horário onde ainda fosse ontem para não te deixar partir já. E amanhã seguiríamos para outro sítio onde fosse mais cedo. E depois… deixava-te ir quando, realmente, quisesses. Quando sentisses que era isso que querias fazer. Mas agora não. Agora é cedo.



luta
Abril 20, 2007, 10:25 am
Filed under: ficção

Era já tarde quando nos metemos no carro para te levar a casa. A chuva a adiar a chegada. O medo de não haver outro momento. A distracção nebulosa da mão na mão. Deixei-te seguro à porta de um prédio alto colado a muitos outros prédios altos que não conseguiria distinguir numa próxima vez…se houvesse próxima vez! Rumei a casa pelo caminho mais longo – precisava daquele tempo para reencontrar o registo normal de um dia de trabalho até altas horas. Sabia que me esperava o silêncio e o vazio, mas mesmo assim… passei um bâton num semáforo vermelho e arranquei calmamente, sem pressas, sem pressões, sem vontade.
Estranhei o toque tardio do telefone. Acarinhei a conversa fútil e breve. Tornei-a doce para mim. Cedi. Cedo mais cada noite que passa. Só. Sozinha. Só para mim. Entre vidas imaginárias que não irei viver, entre fantasias cruéis que implicam sempre um final infeliz… e protejo-me. Das tuas mãos, da tua voz, do olhar e da tua vida que é tão igual à minha.



Abril 19, 2007, 11:23 am
Filed under: ficção

Pegava no livro e lia-o pelos olhos dela. Entrava na sua alma. Sabia quando se delinearia um sorriso, quando o aborrecimento, eventualmente, a faria apagar a luz e dormir.
Ligava a TV e via-a pelos olhos dela. Escolhia a sua série preferida e sentia cada afinidade que ela sentiria.
Entrava no carro e conduzia como ela: ligava o rádio na sua estação preferida e cantava todas as melodias que a tocam, que a fazem estar viva… Seria isto o Amor?



dilema
Abril 11, 2007, 10:31 am
Filed under: ficção

A pressão para fazer a coisa certa. Pouca flexibilidade no pensamento. Talvez por isso fosse um solitário assumido – o gajo do mau feitio. Mas há sempre aquele dia em nos obrigam a pensar melhor: a ponderar se não será melhor fazer a coisa errada e ceder à facilidade. O prazer do corpo a desenhar-se-lhe na cabeça e ele sem o conseguir afastar. O desfalque que lhe traria uma vida de sonho… Assim, tudo de uma vez só!
Não cedeu. Denunciou. Amargurou-se durante muitos dias. Ficou mais solitário e não fez ninguém feliz. Nem ele próprio!



medo
Abril 4, 2007, 3:01 pm
Filed under: ficção

Há um cheiro a frio que nos desbasta os sentidos e nos faz encolher os músculos permanentemente. Não é só do frio. Há o medo, a incerteza do futuro mais próximo – do amanhã. Como se a vida nos tivesse para surpreender a qualquer momento e nós não quiséssemos mais nada de novo. Ou quiséssemos e não soubéssemos como aceitar essa dádiva senão encolhendo-nos, contraíndo cada pedaço de carne e de sentimento. Se o calor nos invadisse agora, continuaríamos gelados. Porque assim é que tem que ser!



vírgula
Abril 2, 2007, 10:35 pm
Filed under: ficção

Que mais se pode querer da vida do que um homem que, ao escrever, coloque as vírgulas no sítio certo?!



tv
Março 29, 2007, 3:00 pm
Filed under: ficção

Da pequena caixa que mudou o mundo apenas o som lhe interessa. Pode ser solidão. Recusa-se a ver. Ouve apenas. Reconhece algumas vozes, mas em geral consegue imaginar a sua própria história. Como se fosse um livro onde as personagens têm o rosto que ele quer…



longe
Março 28, 2007, 4:12 pm
Filed under: ficção

A angústia à noite a fazê-los esperar pelo que não podem ter. Estar longe é pior que estar distante, diz ela. Ele faz, propositadamente, a pausa dramática e acrescenta que do longe se faz perto….quando se deseja muito. Mas por muito que se deseje nunca se pode amar o corpo ausente…



chefe
Março 26, 2007, 3:53 pm
Filed under: ficção

Deram-lhe o lugar. Parecia honesto e capaz de aguentar a pressão. O tempo declarou-o mentiroso, déspota na sua insignificância e cruel. Pior: dissimulado, manipulador e incapaz de ser apanhado em falso. Ou talvez fosse, mas a política ainda conta e, ali, ser do partido é como ser do benfica ou coisa pior… Mantém-se, acima de todos os apolíticos, ignorantes que não sabem subir na vida. Mantém-se no topo de uma hierarquia fictícia onde na rua ao lado já ninguém sabe quem ele é. Mas está lá… ele e tantos outros!